Antes de qualquer análise, é preciso dizer que os roteiristas Rick Jaffa, Amanda Silver, Elizabeth Martin e Lauren Hynek, assim como a diretora Niki Caro, tinham uma árdua tarefa quando foram contratados para a adaptação em live-action da animação de sucesso de crítica e público “Mulan”, de 1998. Todos sabem o quão cruéis podem ser os fãs e os críticos quando se mexe em uma obra considerada perfeita, principalmente quando essa obra vem do caldeirão mítico da Disney. Por isso, este texto será completamente indiferente em relação ao material da animação, e tentará, da melhor forma possível, analisar o filme “Mulan”. Isso porque, quem o escreve, não tem nenhum vínculo afetivo com a história da guerreira chinesa apresentada na década de 90.
No novo filme, Hua Mulan (Yifei Liu) vive em um pequeno vilarejo junto de seu pai, mãe e irmã. Seguindo as tradições da China antiga (daquelas descritas no filme, pelo menos), a garota terá um casamento arranjado com o pretendente que seus pais acharem mais adequado, mas antes ela tem que aprender a ser uma esposa leal e honrada, ou seja, uma serva que cuidará do marido e dos futuros filhos. O problema é que Mulan aprendeu com o pai a gostar das artes marciais e do manejo da espada, e acabou desenvolvendo seu Chi, uma espécie de poder que vem da natureza, e que lhe proporciona maior agilidade e sentidos aguçados. Quando seu velho pai é chamado para servir ao imperador em uma guerra contra invasores, Mulan decide tomar seu lugar fingindo ser um garoto e se alistando no exército.
A partir daí, ela começa o treinamento, faz amigos improváveis, duvida de sua honestidade e honra porque é acusada de não ter nenhum dos dois, consegue vitórias e amarga derrotas, mas tudo isso não vem ao caso já que é de amplo conhecimento de quem assistiu à animação (com algumas variações, evidentemente) e possui muitos spoilers para quem não sabe nada sobre a história (sim, essas pessoas existem). O que será dito a partir de agora refere-se aos vários erros e alguns poucos acertos em relação aos elementos cinematográficos usados tanto pelos roteiristas citados acima, como por Karo, assim como pelo montador David Coulson e pela fotógrafa Mandy Walker.
Para começar, boa parte da montagem de Coulson não consegue fazer com que o fluxo das cenas de ação seja seguido corretamente ao não dar continuidade lógica entre um corte e outro. Por exemplo, o ângulo e o movimento de câmera usados no começo de um movimento de um personagem não são acompanhados por outros que façam com que o espectador entenda que ele foi do ponto A ao ponto B. O que se vê são picotes de edição que deixam as cenas de luta confusas. Complementarmente a isso, os efeitos sonoros e digitais, aliados com as coreografias, não proporcionam sensação de peso para os socos e chutes. Tudo parece leve e fraco demais, o que é incompatível quando se imagina soldados treinados e bárbaros lutando até a morte nos campos de batalha. Claro que não se esperava violência, já que se trata de um filme da Disney, mas um pouco de esmero poderia dar um maior senso de tensão e perigo.
O que parece é que a montagem foi prejudicada pela direção pouco inventiva de Caro, tendo que “consertar” a incapacidade da diretora em comandar cenas de ação empolgantes. Em contrapartida, Caro usa algumas rimas visuais interessantes para construir e desconstruir sua protagonista, como o fato dela “renascer” em vários momentos, como a fênix que é seu símbolo pessoal. No início, quando Mulan ainda não se encontrou como guerreira e visita a casamenteira oficial da vila para aprender a ser uma esposa competente, há uma sequência que representa bem a prisão da personagem, e posteriormente sua fuga, ao mostrar ela sendo apertada pelas roupas, escondida pela pesada maquiagem e tendo seus cabelos presos e espetados por vários apetrechos. Logo depois, com seu jeito selvagem de ser, ela se livra dessa parafernália, mesmo com a desaprovação de toda a vila. Ou seja, renasce.
Há outros momentos de renascimento bem explorados pela direção, como quando ela se livra de uma armadura que dificulta seus movimentos ou liberta seus cabelos de uma touca e um capacete que parecem esmagá-la. Com isso, sua independência feminina enfim desabrocha, no entanto, o desenvolvimento de sua evolução como mulher é subaproveitada pelo feminismo de botequim do texto, que fica evidente sempre que ela se ajoelha e segue as ordens dos homens no poder, mesmo que eles sejam incompetentes em suas lideranças durante uma guerra que destrói o país. Mulan salva-os inúmeras vezes e ao invés de se manter de pé como uma igual, se curva e segue as ordens fielmente. Os ideais de igualdade ficam apenas nos pensamentos ou quando o roteiro precisa de uma demonstração de rebeldia para que os conflitos coloquem um pouco de movimento na trama.
Todos esses problemas fazem de “Mulan” um filme incompleto e inconsistente. De resto, há a ótima fotografia de Walker, que se aproveita dos cenários vastos e arquitetura oriental para carregar suas imagens de luz e abusar de cores fortes, principalmente do onipresente vermelho (alinhando-se à roupa da protagonista), fazendo menção a um país que viria a usar essa cor em sua bandeira e como símbolo político, para o bem e para o mal.
Visto de fora, sem o olhar de fã, essa nova empreitada da Disney não gera emoção ou qualquer outro sentimento, e não possui elementos cinematográficos que empolguem ou que encantem. É de fato banal e vazio, infelizmente.
Vídeo e Imagens: Divulgação/Disney
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