“O Culpado”, novo filme do diretor Antoine Fuqua, abre com um grande plano aberto da cidade de Los Angeles parecendo um verdadeiro Inferno na Terra: O céu vermelho, a fuligem poluindo o ar, chamas lambendo as encostas, o som das ligações desesperadas de cidadãos se confundindo com o ruído dos helicópteros que sobrevoam a cena apocalíptica. Em seguida, o diretor corta para um close extremo de Joe Baylor (Jake Gyllenhaal) tentando disfarçar uma crise de asma dentro de um banheiro de aparência tão asséptica que chega a assustar. Em tese, essas duas imagens não poderiam ser mais diferentes (externo x interno, amplo x confinado, poluído x limpo), porém o sentimento de angústia e desespero contida em ambas aponta para o jogo proposto por Fuqua: aproximar esses dois polos até que eles convirjam em uma coisa só – no caso, o policial vivido por Gyllenhaal.
Afastado das ruas após um incidente de trabalho, sendo obrigado a trabalhar na central de chamadas de emergência da polícia (o famoso 911) enquanto aguarda julgamento, Baylor claramente detesta ficar preso a uma cadeira de escritório. Tirando a eventual ligação que o diverte (como a do homem que liga denunciando um assalto, mas que tenta disfarçar que tudo se deu porque não quis pagar uma prostituta), a rotina do policial é atender ligações de pessoas acidentadas, repassar chamadas para os bombeiros e, no ínterim, tomar o que quer que tenha sobrado de café na mesinha da sala de operações. Entretanto, alguns elementos aqui e ali indicam que ele não está fazendo serviço administrativo à toa: as ligações da repórter do Los Angeles Times e as tentativas de falar com a esposa apontam para algo grave. E tudo isso se desenrolando com as imagens dos incêndios na cidade sendo exibidas em telões bem de frente para sua mesa, uma lembrança da emoção do trabalho nas ruas e do julgamento no dia seguinte, que irá decidir todo seu futuro.
Em meio a esse cenário, eis que entra a ligação de Emily (voz de Riley Keough). Inicialmente, Joe não dá muito importância à chamada. A voz embargada e as declarações de amor à filha fazem o policial acreditar que seja apenas uma mulher embriagada que discou o número errado. Entretanto, logo percebe que trata-se de uma encenação e que, na realidade, Emily foi sequestrada e está tentando pedir socorro sem que seu raptor suspeite. A partir daí, Joe se empenha completamente em salvar a moça e o espectador, por sua vez, começa a ter uma noção mais clara do modus operandi do protagonista em seu trabalho e do porquê ele foi afastado das ruas.
Apesar de ser bem-intencionado, Joe tenta atingir seu objetivo por maneiras bastante tortas. Tenta dizer aos outros como eles devem fazer seu trabalho, é explosivo com os outros policiais da central, pede para colegas de corporação invadirem a casa do raptor sem mandato, liga para o próprio criminoso e diz que gente como ele deveria ser executada, entre outras atitudes, no mínimo, questionáveis. Percebe-se, portanto, que, assim como os incêndios que tomam conta de Los Angeles, Joe traz dentro de si uma força destruidora incontrolável, capaz de vitimar todos a sua volta sem que, talvez, nem ele próprio perceba isso – e a incapacidade de “tomar as rédeas” da situação, imposta pelo trabalho forçado no 911, torna esse comportamento perigoso ainda mais evidente.
É nesse ponto em que a direção de Fuqua se diferencia bastante daquela de Gustav Möller, realizador de “Culpa”, longa dinamarquês de 2018 que deu origem a essa nova versão estadunidense. Conhecido por seus filmes de ação, em especial aqueles urbanos, como “Dia de Treinamento” e os dois “O Protetor” (todos estrelados por Denzel Washington), Fuqua traz para essa refilmagem uma pegada muito mais hollywoodiana do que a abordagem sóbria de Möller. O prédio policial high-tech, com seus telões e salas amplas, é o total oposto da pequena e simples central do filme original. O uniforme moderno de Joe, com a camisa polo que deixa seus braços musculosos à mostra, é bem diferente do traje mais tradicional usado por Asger no longa dinamarquês. A própria atuação dos atores principais é bastante diversa – enquanto Gyllenhaal aposta numa expressividade mais típica do cinema norte-americano (a atuação com A maiúsculo), Jakob Cedergren é bem mais contido. Levando em conta que a adaptação de Nic Pizzolatto (criador da série “True Detective”) é, no geral, bem fiel à narrativa do original de 2018, as duas sensibilidades apresentadas pelos diretores tornam-se complementares de uma maneira bastante interessante, sem necessariamente entrar no mérito de qual é melhor.
Alguns dos problemas dessa nova versão já estavam presentes no filme dinamarquês, como o final, que nem Fuqua nem Möller conseguem executar perfeitamente, cada um a seu jeito. Porém a grande deficiência da refilmagem é a maior necessidade de martelar na cabeça do espectador as mensagens de “qual o papel da polícia?” levantadas pelo filme, como se o público fosse incapaz de entende-las sem um reforço do roteiro. Até mesmo para a abordagem mais over de Fuqua, esse tipo de exagero é um tanto desnecessário.
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