“Nosferatu: Uma Sinfonia do Horror” (1922) aproveita a onda do remake e se torna um improvável título entre os mais populares de 2025
A estreia do longa de Robert Eggers com “Nosferatu” (2024) reacendeu nas redes a popularidade para reassistir o clássico de 1922 do impressionismo alemão, do qual é um remake. Em nosso texto, revisitamos o filme e esperamos convencer do porque assistir uma das peças mais influentes do cinema mudo.
Costumes de província
Voltar-se para obras muito antigas corre sempre no perigo de cair no tentador anacronismo. Na tentativa de fugir das trivialidades de alguma presumida exaltação de obras tidas como clássicas, ou no caminho contrário — de criticá-las com os recursos de hoje — é preciso, por mais que pareça óbvio, permitir-se levar ao passado, sempre sem se esquecer que nossos olhos não têm como sair do presente.
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“Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens” é particularmente tentador, afinal, logo no início já somos apresentados aos moeurs de province do século XIX — na visão, claro, de uma Alemanha pós-guerra do diretor Friedrich Wilhelm Murnau. Ao contrário de uma pré-concepção comum, esse não é um roteiro inédito, mas uma adaptação não autorizada de “Drácula” de Bram Stoker — e, dependendo da versão, nomes de personagens e lugares foram alterados para corresponderem ao livro.
Mas este não é um filme que encanta simplesmente por transportar a um mundo mergulhado em fantasia porque ressoa muito diferente do nosso: isso já era intencional na sua concepção. Não apenas pela diferença temporal, na história ambientada na ficcional Wisborg, 1838, Alemanha não-unificada, como também pelo sentimento de estranheza, uma das chaves comuns de leitura do filme.
O século XIX é marcado por grandes mudanças: a primeira guerra põe fim à Belle Époque e ao otimismo de florescer científico, cultural, e prosperidade pacífica — ao menos em solo europeu (para não falar do avanço colonial). É época da expansão do sufrágio universal feminino, das lutas pela segunda geração de direitos humanos, do “Primeiro Movimento Homossexual”, na Alemanha.
Deus e o Diabo na Terra
A primeiríssima imagem do longa é a visão de uma paisagem bucólica de um lugar qualquer na Alemanha, enquadrada pela figura de uma igreja ao centro. Trata-se da ideia que a primeira linha de um poema, ou cena de um filme, deve passar uma mensagem importante ao público e, se não sumarizar a história, que ponha ideias em choque; e isso é tão verdade para “Nosferatu” quanto “Roque Santeiro” (1985).
Na história, Thomas Hutters recebe de seu funcionário, o suspeito Senhor Knock, uma oportunidade imperdível: um estrangeiro está disposto a gastar uma pequena fortuna para comprar uma casa na vizinhança. Com uma viagem marcada para a Transsilvânia, ele se despede da amada Ellen, apesar dela se mostrar reticente com a empreitada, pedindo-o para que fique.
“Tenho que viajar para muito, muito longe, para a terra dos ladrões e dos fantasmas“
Hutter para a amada Ellen, ato I de “Nosferatu” (1922).
No melhor estilo de teatro de Édipo (ou protagonista de Poe), Thomas recebe todos os avisos que lhe são possíveis, ignorando-os, enforcando-se pelas próprias ações enquanto ele é o único que parece não querer ver o óbvio. O comprador, Conde Orlok, é um homem cuja mera menção do nome causa horror aos locais.
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Orlok é apontado por alguns como uma caricatura, mesmo que inconsciente, das ansiedades da Alemanha da República de Weimar: um homem esguio, magro, ricaço e estrangeiro que deseja se apoderar de terras nacionais explorando sua fragilidade — não a de 1838, a da Alemanha pós Tratado de Versalhes — o que lhe rendeu, incorporando estereótipos antissemitas, óbvias acusações de uma representação (mesmo que inconsciente) contra judeus.
Enquadrado na estranheza, a caracterização de Max Schreck como Orlok aproveita o material original e dá outro corpo para o “horror queer“. Em obras como “Carmilla” (1872) e “Drácula”, a imagética homerótica é indissociável da sua construção: seja por uma crítica aos costumes (Carmilla), quanto pela tensão sexual e dinâmicas de dominação e gênero; vampiros são o corpo da devassidão dos apetites e corrupção social, da “boa divisão” dos sexos e raças. O direto do longa é, vale dizer, gay assumido.
Orlok, o vampiro estrangeiro, quer devorar Thomas e Ellen, traz consigo ratos e a peste, matando dezenas no processo. A única coisa que pode vencê-lo é a verdadeira pureza: a maldição vampírica termina quando uma moça virgem se submete de boa vontade ao monstro, e ninguém melhor que Ellen, a heroína trágica mediúnica, que na primeira cena vemos como ama gatos e fica desolada com como o amado arranca flores para lhe dar (afinal, ela se importa e quer bem tudo que é vivo). Em outras palavras: a única coisa que pode vencer o mal, a temível mudança, é a pureza e os costumes, e as mulheres devem se botar em seus lugares.
“Por que mataste… essas flores tão bonitas…?!”
Ellen para o marido Thomas, em Nosferatu (1922), ato I.
Assistir Nosferatu nos dias de hoje é um espetáculo que brinca muito bem com nossa imaginação, com jogos de luz e câmera sagazes e uma interpretação muito teatral, mas não se pode perder de vista que, mesmo à época, o longa se aproveita de estereótipos baratos para comover de forma fácil — isso não é uma crítica moral, vinda de 2024, mas que diz respeito à sua montagem, que é vanguardista por outros motivos.
Se você ama o cinema, é uma ótima pedida para assistir ou voltar a assistir esse grande clássico, que assim é chamado não apenas pela influência estética, como também pela capacidade de nos dizer um pouco mais a cada vez que a ele retornamos, aproveitando a comoção pelo remake de 2024 e a entrada do original em domínio público.
Imagem Destacada: Reprodução/Nosferatu (1922, domínio público)
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