Em 1995 nasceu um dos maiores clássicos da animação japonesa: “Ghost in the Shell”. Dirigido por Mamoru Oshii e baseado no mangá de Masamune Shirow. A animação de caráter sóbrio e contemplativo abordava questões sobre vida e tecnologia que estavam naquela época (e mesmo hoje) muito à frente de seu tempo.
Tendo sido uma das inspirações para a trilogia “Matrix” das irmãs Wachowski, “Ghost in the Shell” permaneceu intocado durante muito tempo em uma época em que remakes e adaptações estão dominando o mercado cinematográfico. Eis que no primeiro semestre de 2017 é lançada o live-action da consagrada obra-prima de Masamune Shirow, o que além de trazer muita empolgação para fãs do mundo todo, também é motivo de inquietação daqueles mais preocupados com a fidelidade desse tipo te produção.
As discussões sobre o filme e a respeito da escolha do elenco agitaram a internet após Scarlett Johansson ter sido anunciada para o papel da protagonista, que na animação demonstra ser uma oriental à começar pelo seu nome: Motoko Kusanagi. Não se trataria de uma simples e inocente mudança de etnia de personagens como já aconteceu com Nicky Fury, interpredo por Samuel L. Jackson do filme “Vingadores“, mas sim uma substituição de uma personagem asiática extremamente forte e admirada na cultura japonesa, por uma ocidental que poderia ser facilmente lida como poderosa e que passaria o filme derrotando uma série de asiáticos fracos e substituíveis em um contexto majoritariamente Japonês. Toda essa situação que preocupou parte dos fãs é conhecida como whitewashing, que pode ser entendido como o ato de fazer limpeza étnica em um personagem fictício ou histórico, transformando-o em uma pessoa branca. O resultado? O personagem de outra etnia (normalmente uma oprimida) que possui relevância acaba sendo exaltado através de uma história, mas dessa vez como caucasiano(a). Grandes exemplos: Jesus e Cleópatra.
A polêmica envolvendo o whitewashing piorou quando chegou ao ouvido do público que Johansson teria passado por tentativas de “orientalização” através de computação gráfica, algo desnecessário visto que existem diversas atrizes orientais que poderiam ser capazes de protagonizar “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”.
É fácil entender a preocupação do estúdio em ter uma atriz do porte de Scarlett como protagonista. Independente das críticas, Johansson continuou as filmagens, no entanto a produção teve o cuidado de criar o background necessário para que a americana pudesse se passar por uma agente do departamento de inteligência do governo japonês. Sua atuação trouxe muito da personagem vivida por ela no filme “Lucy” de 2014, com o olhar vazio e expressão constante ela consegue retratar bem a frieza do corpo sintético que abriga um espírito atormentado pela indiferença e pela incerteza do seu passado. O filme possui personagens interessantes a primeira vista como o agente Batou (Pilou Asbæk), a pessoa mais próxima da major; Togusa (Chin Han), único agente da Seção 9 sem aprimoramentos cibernéticos; Hideo Kuze (Michael Pitt), o misterioso vilão do filme; todos poderiam ter sido melhor construídos, mas acabaram sendo abordados de forma simples em favor de uma maior atenção dada ao passado da major. É partindo disto que o enredo do filme se desenvolve.
Em 2029 na cidade fictícia New Port, a tecnologia não faz apenas parte do dia-a-dia, mas também do corpo das pessoas. A major Mira Killian é uma agente da seção 9 (uma agência de inteligência ligada ao governo japonês) cujo corpo foi completamente substituído por aprimoramentos cibernéticos após um ataque terrorista que quase a matou. Ao mesmo tempo que Mira demonstra tornar-se mais pensativa sobre a diferença entre ela e as outras pessoas e sua mente começa a apresentar mal funcionamento – fazendo com que tenha visões que é incapaz de compreender -, uma ameaça diferente de tudo que ela já viu surge e coloca em cheque suas certezas e a confiança dela na organização da qual faz parte.
As intrigas empresariais, um dos pontos centrais na animação de 1995, ainda se fazem presentes mesmo que de forma mais superficial, o que faz lembrar o filme “Robocop” de 2014. E o que se percebe é um roteiro raso e de fácil assimilação através de uma série de reviravoltas bastante previsíveis, algo que pode ser decepcionante para os fãs, mas que apresenta bem a história da “major” para o grande público.
As cenas de ação e o uso de CGI são impecáveis e em nada sobrecarregam a abordagem que a trama constrói. Isto em conjunto com a paleta de cores mais sóbria utilizada durante os momentos mais intensos dão a este blockbuster a moderada capacidade de fazer com que o público se sinta imerso na história, algo que realmente merece reconhecimento.
Ainda que o enredo tenha escolhido caminhos diferentes da animação japonesa, houve um trabalho impressionante para retratar diversas das cenas, fazendo um espetáculo de serviço aos fãs. Esse espetáculo se torna ainda mais impressionante através da trilha sonora que utiliza elementos da música eletrônica para aumentar a ambientação em uma New Port City carregada de tecnologia e muito néon.
O filme apresenta uma visão que busca equilibrar o respeito ao conceito de “Ghost in the Shell” de 1995 e o entretenimento buscado pelo público ocidental que vai ao cinema, alcançando êxito e preparando terreno para toda uma franquia que pode ser explorada de formas extremamente interessantes.
“A Vigilante do amanhã: Ghost in the Shell” já está em cartaz nos cinemas brasileiros.
Por Raoni Vidal
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