Checklist da despedida
No Antigo Egito, acreditava-se que quando alguém morria e sua alma chegava ao céu, para lhe dar ou negar permissão de entrar, os deuses lhe faziam duas perguntas. A primeira era se a pessoa havia encontrado alegria na vida. A segunda, se a vida do indivíduo em questão havia trazido alegria a outras pessoas. Esta é uma das curiosidades contadas em “Antes de partir” por Carter (Morgan Freeman) a Edward Cole (Jack Nicholson) durante a viagem que fazem juntos para aproveitar os últimos meses que lhes restam. Ambos estão doentes e não há mais chance de cura.
O longa se inicia com a bela paisagem de uma cordilheira nevada e a narração de Carter dizendo que Edward Cole morreu em maio, de olhos fechados, mas coração aberto. Ainda não sabemos como são esses personagens, mas já é possível saber que pelo menos um deles não está mais aqui e passou por transformações positivas – ao menos no âmbito emocional. Somos então apresentados a eles, ambos estando nos respectivos ambientes profissionais quando a situação da enfermidade se revela. O roteiro de Justin Zackham já nos mostra, em poucos minutos, que Carter e Edward são como água e vinho. O primeiro, mecânico, parece estar sempre de bom humor, até quando fala dos efeitos colaterais da quimioterapia, e se entretém a maior parte do tempo assistindo a um programa de curiosidades ou aprendendo o que muitos chamam de “cultura de almanaque”. O segundo, riquíssimo dono de um hospital, sempre defendeu que os quartos tivessem dois leitos por não se tratar de um spa, até ser internado e desejar total privacidade. A amizade entre esses dois homens parece improvável no começo, mas são as diferenças entre eles e os diálogos com ótimas tiradas que dão o tempero do filme. No entanto, os excelentes atores foram encaixados em papéis que não surpreendem quando Nicholson é rabugento, cínico e irônico e Freeman é bem humorado e ligado à família. Fossem invertidos os papéis, o resultado poderia ter sido bem mais interessante de se ver. Mas a indústria cinematográfica muitas vezes prefere manter aquilo que o público aceita bem por já estar acostumado.
Carter começa a fazer uma lista do que gostaria de fazer antes de morrer, mas seus itens parecem um tanto filosóficos para Edward, que insere atividades de cunho material e prazeroso, para contrariedade de Carter, que o julga superficial. Porém, o discurso de seu colega de quarto é bastante convincente e ele decide que uma viagem juntos mundo afora não é tão má ideia assim. A jornada se inicia e oferece ao espectador momentos cômicos e também mais intimistas, pois ao longo da série de aventuras os companheiros se abrem um para o outro a respeito de suas vidas. O conteúdo dessas declarações traz um certo equilíbrio ao filme, que não descamba para o humor fácil. Carter, que teve uma vida mais regrada, parece ter menos a revelar. No entanto, a cena em que diz porque realmente aceitou fazer a viagem mostra que nem tudo era tão perfeito em sua vida como parecia, e aqui o trabalho da câmera, que se aproxima progressivamente até chegar no close do ator, favorece a atmosfera confessional.
Os lugares visitados pela dupla são explorados de forma desigual no filme, com alguns recebendo maior destaque. A fotografia é bem cuidada, valorizando cada locação, inclusive o interior do Taj Mahal. O uso de cor serve também no retorno ao lar, para demonstrar o contraste entre as vidas dos amigos: o ambiente na casa de Carter tem cores quentes, ainda que suaves, visivelmente acolhedor e aconchegante, enquanto na residência de Edward as cores são frias e o ambiente impessoal.
Embora a direção de Rob Reiner tenha resultado em um filme leve e divertido, houve descuidos de continuidade óbvios, envolvendo a lista que constantemente aparece em plano detalhe e também em relação ao roteiro de viagem citado pelo assistente de Edward: os lugares visitados seguem uma ordem diferente da mencionada. Mas isso não é motivo para deixar de ver o filme, que talvez possa inspirar o espectador a fazer sua própria lista: já que a vida é curta e somos todos mortais, o melhor é não perder tempo e começar a fazer o que queremos agora.
Neuza Rodrigues
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