Em “Sonne”, a cineasta iraquiana Kurdwin Ayub conta a história de três amigas, Yesmin, Nati e Bella, que ficam relativamente famosas depois que um vídeo em que elas dançam e fazem piadas usando o hijab, a vestimenta obrigatória das mulheres muçulmanas, viraliza. Yesmin é curda e a única que segue o islã entre as três. E é ela a que mais sofre quando sua mãe e amigos começam a questioná-la sobre a sua fé nos cânones da religião. O sofrimento da jovem, que não sabe qual será o rumo de sua vida, é aparente e bem aproveitado pelas escolhas cinematográficas de Ayub.
A cineasta adota um estilo que é, provavelmente, uma referência ao que os irmãos Dardenne vêm fazendo há um bom tempo, claro que sem o aparato dramático das obras dos belgas, mas com boa dose de “realismo”. A fotografia é crua, e não há floreios em sua confecção. Até há desajeitados planos em movimento usados quando a câmera simula vídeos de celulares, para dar um aspecto de amadorismo às imagens, nada mais. Além disso, boa parte das cenas são em ambientes fechados, o que confere à obra um tom sombrio, com cômodos mal iluminados, principalmente quando a protagonista começa a se rebelar internamente contra suas tradições religiosas. O interessante é que, as sombras contrastam com os coloridos de suas roupas e de sua maquiagem, o que expõe a perturbação pela qual ela passa: deixar ou não a origem curda de lado? Largar o hijab ou se curvar às tradições do islã?
Essas dúvidas são levadas até o final de “Sonne” sem que haja uma resposta definitiva sobre o caminho a ser traçado por Yesmin. O desfecho é poético, porém, não consegue satisfazer a ânsia do espectador por respostas. Talvez haja a intenção do roteiro em deixar com que o próprio público decida por Yesmin, e fazer com que ele, no processo, se envolva na questão. Realmente é preciso que haja uma discussão, já que os direitos das mulheres são escassos em países onde o islamismo é aplicado com mais rigor, como no Irã, que vem enfrentando uma série de protestos depois que uma garota foi morta pela polícia de costumes porque estava usando o hijab de forma incorreta. É preciso que toda a comunidade internacional aja com rigor perante tantos crimes, portanto.
O final aberto, contudo, pode ser apenas uma incapacidade da roteirista (a própria Ayub) em terminar de forma satisfatória o seu trabalho, ou um problema da montagem, que picotou a história sem deixar que ela terminasse adequadamente. Ou seja, qualquer uma das opções leva a um único caminho: a interrupção abrupta de um filme que poderia ser bem melhor se contasse com mais minutos em sua duração.
Este filme foi visto durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.