O ano é 2016 no sul do Brasil. Filho de um professor universitário com uma psicanalista, um jovem multitalentoso, fluente em pelo menos 3 idiomas, musicista e poeta tira a própria vida. A trajetória de Vinícius Gageiro Marques foi apresentada no longa “ Yonlu “ (seu pseudônimo). Aos 16 anos o rapaz que já frequentava a terapia desde os 8, decide (estimulado por um grupo em rede social) tomar uma atitude extrema. Para seu analista ao passo que seu vasto conhecimento foi bem aproveitado por um lado (o artístico) foi também sua fonte de inconformidade e sua base para sua desistência. Composto por um pequeno elenco e estrelado por Thalles Cabral, este filme traz as telonas um debate controverso de forma inteligente.
A trilha sonora é toda do protagonista, variando junto ao filme pelos momentos passados pelo rapaz. Nesta proposta é acertada a ideia de relacionar as cenas aos momentos de composição das canções, apresentando simultaneamente o indivíduo e sua obra. Instigando o público a conhecer o trabalho, mas também entender os conflitos profundos travados dentro de uma pessoa tão jovem.
A direção de Hique Montanari foi feliz em muitos sentidos, de forma que se apropriou do universo particular do protagonista usufruindo respeitosamente de toda sua inventividade. O longa alterna cenas com animações feitas com base nos desenhos de Yoñlu. Traz poesia nas cenas externas, como se retratasse não a realidade da rotina, mas sim o olhar sensível do artista diante do mundo, o olhar de um apaixonado por fotografias e Lomografia que amava clicar o cotidiano. Inicialmente as informações parecem excessivas, mas com o decorrer da narrativa, se percebe que se trata de uma imersão em uma mente criativa.
Em contraponto, deixá-lo quase sempre só, mesmo que em meio a tanta gente (áudio que revela o movimento, mas em cena somente o Thalles Cabral e alguns outros personagens mais importantes na trajetória do rapaz), foi uma sacada simples que descreve de forma muito eficiente o sentimento de solidão descrita nos quadros de depressão. A relação do cenário com o estúdio foi uma aposta estética inteligente. Crua, prática. Expondo sem firulas os vazios, distâncias e impessoalidades envolvidas no processo de Vinícius. E, por fim, o uso da câmera na mão e quadros fechados trouxeram a noção de movimento e proximidade que ampliam a participação do público nas emoções do jovem, nos fazendo partilhar de suas angústias.
Yoñlu era um menino inventivo, multitalentoso e erudito para sua pouca idade. Sua produção foi difundida após sua partida, sendo reconhecida internacionalmente. O que nos leva a pensar quantos potenciais são engolidos por uma rotina injusta dentro de uma sociedade que não cede espaços justos.
Ao tratar de um tema que ainda hoje é um tabu social, o longa buscou ser fiel aos fatos apresentando diálogos salvos no grupo online no qual o rapaz participava. Em algum nível, essa opção, mesmo sendo a mais justa e leal à história de Vinícius, pode reacender o debate sobre a exposição negativa do suicídio, como muito se falou sobre a série “ 13 Reasons Why “. No entanto, tratar este tema desta forma (como se falar sobre ele o romantizasse de alguma forma, ou induzisse o ato em outros jovens) desconsidera brutalmente a exposição destes mesmo jovens ao “mundo internet”, que permite um acesso rápido a todo tipo de informação. Como muito bem pode ser visto em “ Yonlu “.
Não é aqui a intenção criar uma visão problematizada da opinião dos que defendem que é melhor não relacionar o tema à mídia. Mas não se pode deixar de lidar com fatos, e de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), anualmente cerca de um milhão de pessoas tirem as próprias vidas, dos quais 75% em países de renda média ou baixa. Este cálculo leva a uma média de um suicídio a cada 40 segundos. Será que de fato a exposição do tema é o que direciona a realização do ato, ou são questões muito mais amplas que precisam sair da invisibilidade? Será que não falar sobre isso não seja simplesmente uma forma de não encarar o problema de frente? E mais do que isso: Se falar sobre (em veículos midiáticos ou nas conversas do dia-a-dia) pode estimular, o que então pode ser feito para auxiliar? A ideia desta pequena reflexão não é apontar respostas, mas sim promover um debate saudável capaz de orientar aqueles que ainda carecem de tato para tratar daquilo que não consegue conceber a real dimensão. Para que assim uma rede de apoio possa existir para além do tabu.
Aqui também deve ser realçado que no caso narrado no longa o jovem se vê encorajado por outros, que assim como ele se encontravam vulneráveis e buscavam nesse espaço (online) uma troca que os encorajasse a findar as próprias vidas. Desta forma, o filme também soa como uma alerta contundente as diversas formas de relações que se estabelecem na internet. Que por muitas vezes rendem lindos frutos, e em tantas outras criam situações altamente problemáticas. Seja na busca por pares, por iguais (como ocorrido com Vinícius), seja por diversão de grupos mal intencionados (como o amplamente difundido jogo “Blue Whale” ou “Baleia azul”)… As possibilidades são infindáveis. Mas o que sobra no final das contas é a certeza de que se deve estar atento ao comportamento dos nossos jovens, amigos, familiares para que sempre haja um apoio firme contra vozes negativas e sem rosto.
Yonlu é um filme com uma estética criativa, ousada e poética. Trata de forma respeitosa um tema delicado, e deve (nesta humilde opinião) ser assistido por toda família. Não somente pelo entretenimento, mas também pelo canal de diálogo que pode desenvolver.
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