Ao assistir ao documentário “O Riso dos Outros” foi preciso parar na metade para escrever esse texto. Sempre que alguém coloca essas questões limite do humor, limite da ficção, limite qualquer coisa, me sinto dividida. Explico; de um lado o meu feminismo, a minha ética, a minha vontade de ser justa, ainda que me custe a saúde mental – todo ativista de alguma causa social sabe bem do que estou falando -, do outro o meu lado escritora, que vive da criação e da necessidade de haver liberdade e despudor para tocar em qualquer assunto.
O caso é que: nunca existiu nem nunca vai existir ditadura do politicamente correto. Esse termo que humoristões usam para justificar a sua própria incompetência, necessidade de aprovação a qualquer custo, perpetuação de padrões opressores sob a desculpa da arte ou o que quer que seja. Quando este ano* passei a acompanhar diariamente os textos, tweets, posts, de quem está engajado em todo tipo de luta e pude observar com critério o que de fato é criticado, perdi a divisão que eu achava que se estabelecia em mim. O meu feminismo não está em oposição com a minha liberdade criativa.
Não vivemos em uma bolha. Constantemente iremos reproduzir padrões problemáticos que ouvimos durante a vida toda. Mas é possível romper com isso. É uma escolha, não uma inclinação natural. É possível escrever sobre estupro, machismo e abuso sem reforçar o lado de quem sempre oprime. E nem é questão de ser bonzinho, é que não há graça mesmo em cair nos mesmos lugares. O desafio é justamente esse. E não tem que ser fácil.
Essa coisa de “que mundo chato em que vivemos” é opressor chorando no colo da mãe. É gente que não quer perder sua posição no status vigente. E desculpe, o status vigente é uma merda para o mesmo grupo de pessoas há um bom tempo. É absurdo, mais absurdo ainda, que alguém use com essa displicência o termo “ditadura das minorias”. Ditadura é o estabelecimento de um estado de poder inquestionável, em que se amordaça a liberdade de expressão. Ninguém impede humoristas de se expressarem. O que eles não têm, e olhe aqui o mimo de criança, é liberdade para falar merda sem serem questionados a respeito. Liberdade daqui, liberdade de lá. Não adianta vestir preconceito na capa do humor, isso é sujo, burro, infantil e estúpido. É um recurso primário. É um recurso de quem é incompetente. E tudo bem ser incompetente, mas não coloque isso na conta dos movimentos sociais. Gente branca de classe média fazendo piada com negro e pobre ora HA HA HA, é reverter expectativas desde quando? Humor não está no inesperado, no susto, na sacada que ninguém viu? Mas se a desculpa é que é preciso identificação com a platéia, deve-se pensar em que público é esse que o comediante quer atrair.
A piada que é ~engraçadérrima~ por conta de passar como “aquilo que todo mundo pensa”, que é feita há séculos, é uma cópia do discurso do taxista, do padeiro, do carinha que conta anedotas no bar, que está no salão de beleza, no almoço de domingo, no happy hour do trabalho, isso não é piada, é aquilo que ~todo mundo~ diz quando acha que no momento não vai pegar mal.
O topo da ditadura é ocupado, veja bem, por: deficientes físicos e cognitivos, mulheres, negros, pobres, gays e gordos. É uma ditadura do sofrimento. Pois é, o grande poder de quem preside a tal ditadura é o de dizer “por favor, não bata em mim, já apanhei demais.”. Chorem menos e sejam mais empáticos. Uma sociedade mais inteligente e solidária não é downgrade, é evolução.
*Reflexinha: a base desse texto é de outubro de 2013 e continua atual.
Por Érika Nunes
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