“Garra de Ferro” é um golpe fatal no próprio legado
Um sonho, um esporte, uma família, um golpe e uma maldição, tudo isso compõe o longa “Garra de Ferro” (Iron Claw). Inspirado na história real dos Von Erich, conhecidos como “os Kennedys dos esportes”, o longa chega aos cinemas nacionais no dia 07 de março de 2024.
Durante os anos 50, o texano Jack Barton Adkisson começou sua carreira no mundo da luta livre, mudando seu nome para “Fritz Von Erich” (Holt McCallany), um referência direta aos Nazistas que faziam sucesso como “vilões” em lutas livres. Além de grande competidor, ele se tornou famoso não só pelo talento no esporte, mas também por um golpe, o “Garra de Ferro”. Essa armadilha consistia em pressionar o crânio de seus oponentes até que saísse sangue de suas cabeças.
Fritz, casa-se com Doris J. Smith (Maura Tierney), com quem teve 6 filhos. Jack Barton Jr., que morreu ainda criança, Kevin (Zac Efron), David (Harris Dickinson), Kerry (Jeremy Allen White), Mike (Stanley Simons) e Chris, que não foi apresentado no filme. Crescendo sob o comando do pai – que também podemos chamar de frustração – vamos acompanhar o desenvolvimento desses jovens dentro do esporte e como eles lidaram com tudo isso até o momento de suas mortes. Com personalidades e desejos completamente diferentes um dos outros, a vontade de seu pai e a necessidade de honrar um legado fazem com que se tornem famosos e venham a sucumbir.
Escrito e Dirigido por Sean Durkin (“O Refúgio”), ele disse em uma entrevista que quando criança era fã de luta livre e acompanhava as lutas da família. Quando começou a escrever o roteiro, foi nessas lembranças que se apegou para tentar entender o que lhe atraía na história da família. Com o aval de Kevin, o único sobrevivente a “maldição do Von Erich”, o longa entretém, emociona e levanta vários temas sobre o comportamento em uma família predominante masculina.
Sua direção é bem concisa e consciente do que desejava mostrar, e como desejava fazê-lo. Sem muitas surpresas ou invenções nesse quesito, sua cinebiografia “autoral” sobre a família se enaltece muito pelo roteiro. Durkin escolhe recortes muitos específicos para transcorrer o que acontece dentro e fora dos ringues, dentro e fora de casa, dentro e fora da mente dos personagens. Contudo ele usa um recurso adorável para os amantes do cinema: o silencio. Embora os diálogos textuais tenham sua força, é no silencio, nas palavras não ditas, que seu trabalho é engrandecido. E o encontro entre o que é e não é dito, cria tamanha potência, que vamos absorvendo as dores em doses homeopáticas.
Inclusive, é visível seu respeito em retratar a história da família. Quando se pensa em luta, logo ligamos a brutalidade, a força, a masculinidade, a testosterona, a virilidade e ao ego. E realmente temos tudo isso na tela. Contudo, o drama familiar fala muito sobre fragilidade, sobre a falta de diálogo, sobre não poder se expressar, sobre sucumbir por dentro. Com um tom que, às vezes, beira a inocência infantil, a fragilidade de uma criança que nunca aprendeu a dizer o que sente e sofre calada, o resultado mostra muita delicadeza nos silêncios fragilizados da masculinidade.
No aspecto visual do trabalho, temos a cinematografia Mátyás Erdély (“Filho de Saul“) que, junto a direção e a edição de Matthew Hannam (“Vox Lux”), traz uma estética bem própria as épocas da história. No início do filme, onde se apresenta a família ainda em formação, junto aos desejos de sucesso de Fritz, temos uma imagem extremamente granulada e em p&b, referência direta aos filmes dos anos 50. A medida que se avança no tempo, a granulação vai diminuindo e até vinhetas e chamadas neons são adicionadas a imagem para construir a narrativa estética das lutas televisionadas nos anos 80 e 90.
A junção do trabalho de Design de Produção de James Price (“Pobres Criaturas“) Arte de Sammi Wallschlaeger (“Festa de Formatura”) e Dressing de Tim Cohn (“Boogeyman”) e Rusty Culotta (“Rua Cloverfield, 10”), naturalmente nos transporta a identidade interiorana do Texas, pelas décadas que a drama se passa. Mas podemos ressaltar, dentro da estética, o trabalho da Figurinista Jennifer Starzyk (“Caminhos da Memória”), que construiu muito bem a identidade desses personagens com suas composições de vestimenta. Ela consegue usar a “breguice” das décadas como uma espécie de resgate da memória. É quase como se estivéssemos vendo um álbum de fotos antigas de família, e rememorando as histórias por trás daquelas fotos.
Holt McCallany (“Beco do Pesadelo”) como o patriarca da família, exala o poder e a frustração de um pai que deseja e “obriga” seus filhos seguirem seu caminho para chegarem, aonde chegou e até além. Maura Tierney (“O Relatório“), como a omissa Doris, tem poucos momentos de tela, o que naturalmente mostra o quão ausente era na criação de seus filhos. Contudo, suas dores, mas sua mudez, dão um ótimo tom a trama. O grupo dos quatro irmãos, Zac Efron (“Ted Bundy“), Harris Dickinson (“Triângulo da Tristeza“), Stanley Simons (“Superior”) e Jeremy Allen White (“O Urso”) possuem uma enorme sintonia. Existe entre eles muito carisma e reciprocidade em cena, onde não só os atores “se ajudam” para engrandecer seus personagens, como genuinamente conseguem transparecer todo o carinho e inocência dessa irmandade. Efron – com o rosto deformado pelo errôneo Botox – um dia disse que nunca mais voltaria a ter o corpo de “Baywatch”, agora aparece ainda maior e mais definido para da vida a Kevin Von Erich, o único irmão que realmente queria seguir os passos do pai e que enxergava que havia coisas repreensíveis na família.
Ainda que não aparente pelo seu trailer, “Garra de Ferro” é sobre as sutilizas não exercidas, sobre olhar sobre o outro com mais afeto e, o quão, o excesso de masculinidade e ego podem ser prejudiciais a nossa saúde mental. Curiosamente, o nome e a execução do golpe podem ser subjetivamente comparados as relações dessa família. O quanto a pressão e o desejo de realizar as frustrações de outros, pelo qual se tem enorme respeito, podem fazer com que sua mente sangre até não aguentar mais. E como representado em seu final – Spoiler Alert – homens não só podem como devem chorar e se expor emocionalmente.
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