É curioso que o musical seja um gênero do cinema que remete, muitas vezes, ao passado. Talvez por ter estado em alta durante os áureos tempos de uma antiga Hollywood isso aconteça, sabendo que a indústria sempre gosta de falar de si própria. Exemplos de filmes musicais que sejam de época, então, não faltam: “Os Miseráveis”, “Chicago” ou “Cantando na Chuva” . Até mesmo, o recente sucesso “La La Land” procura uma estética vintage, buscando homenagear grandes clássicos do gênero, sendo essa característica bem perceptível.
“O Rei do Show” é uma obra que reflete uma quantidade significativa desses aspectos, situada no século XIX. Nos é contada a história de P.T Barnum, homem de origem humilde que passa a gerenciar um circo itinerante, picadeiro que utilizava de animais exóticos e pessoas com identidade física igualmente exóticas para suas apresentações. Barnum passa o roteiro do filme envolvido com a criação e gerenciamento do espetáculo, mas também possui questões familiares complexas, que por vezes esbarram nas profissionais. Não se trata, portanto, de um roteiro denso. Ele é bastante simples e tenta se aproximar de um estudo de personagem, de uma cine-biografia, mas não deixa tão claro aquilo que quer. Existem diversos focos que são interessantes e seriam relevantes para a trama, mas todos são mostrados de forma rasa, o que também acontece com os personagens. Às vezes, parecemos assistir um filme tratando de uma família, outras vezes ele quer abordar o caso dos funcionários do circo, mas também considera necessário fazer um estudo de seu protagonista. Como já mencionado, são vários focos que acabam por desfocar um fio condutor da narrativa, embora nota-se que as ideias são ótimas.
Por outro lado, o longa deixa o espectador verdadeiramente impressionado com o visual que lhe é mostrado. As cenas envolvendo músicas são espetaculares, muito bem coordenadas e coreografadas. A mise-en-scène é muito clara, podemos entender os elementos cênicos com tranquilidade. Ademais, as músicas são boas, envolventes e fazem sentido para a narrativa, não estão ali por estarem. Impressiona o uso de algumas elipses, usadas para que um intervalo de tempo se passa enquanto uma cena se desenrola. Os cortes se mostram muito discretos e combinam com o bom gosto da utilização desse recurso. Ele aparece ainda mais pela preferência do diretor pelos planos longos, permitindo que vejamos a ação com mais continuidade. São fatores que aproximam a abordagem utilizada com a do teatro. Quem brilha, nesses momentos, é Hugh Jackman, protagonista da história, que parece muito a vontade em seu papel e que possui um ótimo histórico de trabalhos com musicais.
A própria figura central representada por ele, no entanto, é bastante questionável. Alguns momentos parecem esbarrar na romantização de um homem que se utilizava de figuras marginalizadas da sociedade para lucrar com isso. É inevitável que isso não atrapalhe no desempenho final apresentado.
Outro aspecto que funciona bem é o das cores. A fotografia contrasta o passado de dificuldades de Barnum que é ilustrado com tons de cinza e escuro com as cores vivas e chamativas das cenas no circo. Parece até haver uma tentativa de emular a técnica do technicolor em tais situações, o que é muito bem-vindo. Somado a isso, o design de som funciona bem e equilibra sons diegéticos e da trilha orquestrada com o que é cantado. Não é um trabalho fácil dado o tipo de filme que estamos tratando, mas a lógica sonora é eficiente, ainda que não atraia grande destaque para si.
Assim, “O Rei do Show” consegue ser um bom filme. Pode não ser o mais memorável deles ou um novo clássico para seu gênero, mas consegue entreter e até surpreender quem o assiste, em pontos mais específicos. Provavelmente, agradará a quem já tiver gosto prévio por esse tipo de obra, mas não cativa quem não tem apreço especial por ela. O que é mais lamentável é o potencial perdido, potencial esse que poderia, quem sabe, até levar a algumas disputas no Oscar.
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