O mestre italiano Sergio Leone é intimamente ligado aos westerns, principalmente pelos macarrônicos filmes da trilogia dos dólares e, evidentemente, por esse clássico chamado “Era uma vez no Oeste”. Ele que aparentemente faz parte de outra trilogia chamada de América e que é composta ainda por “Quando Explode a Vingança” e “Era uma vez na América”. Leone é um cineasta de poucos filmes, o que não o impediu de entrar para a história do cinema por causa de sua capacidade em criar cenas e personagens icônicos. A habilidade como narrador visual é notável e junto com outros diretores teve importância na construção do cinema norte americano atual. Junto a ele há nomes como Coppola, Spielberg, Scorsese e George Lucas.
Há uma disputa acirrada entre “Era uma Vez no Oeste” e “Era uma vez na América” como o grande épico de Leone. Os dois possuem tantas qualidades que fica difícil escolher um ou outro. No oeste há o inicio de uma nação construída em um solo banhado de sangue. A América já formada é mais avançada, porém continua progredindo por meio da violência. Pistoleiros e índios, gangsteres e imigrantes são a matéria prima para criar tramas selvagens, que ficam gravadas nas retinas dos telespectadores. O interesse da câmera por esses seres marginais é carregado de poesia fílmica, mesmo que as mortes brutais estejam em primeiro plano.
Este humilde texto é para analisar (ou tentar) especificamente Oeste, tentando esmiuçar os elementos que o formam como obra seminal. Obra essa que têm em seus primeiros frames três pistoleiros esperando em uma estação de trem a chegada de Harmonica (Charles Bronson), que, por sua vez, está à procura do assassino Frank (Henry Fonda). Frank tem a missão de tomar a terra da forasteira Jill (Claudia Cardinale), que chega de New Orleans para se casar. Também é importante na história o fora da lei Cheyenne (Jason Robards), que perambula com seu bando em meio à vastidão do deserto cortado pela construção da linha férrea. Dois desses personagens são marcados por Leone em closes que externam suas personalidades por meio dos olhos. Por isso os expressivos olhos azuis de Fonda são fundamentais para empregar a Frank a aparência de um animal selvagem a procura da caça. Selvagem também é Harmonica em um take na penumbra, com seus olhos destacados pelo brilho que parece de um felino. Eles dois são os agentes de ação do roteiro; com eles o filme começa e termina e é por suas ações que os conflitos são formados. São filhos daquela terra inóspita, onde nasceram e irão morrer. Já Jill é uma forasteira e, ao invés dos olhos, o que entrega isso é seu figurino. Em sua primeira aparição ela está coberta dos pés à cabeça e, conforme vai sendo inserida naquela realidade, perde quase todas as peças de roupa (na verdade elas são rasgadas de forma brutal ainda em seu corpo). Sua pele bronzeada e suada coloca quase que em igualdade com os outros e New Orleans fica definitivamente para trás. Para trás, mas não sem deixar marcas, já que o passado é constante em sua vida, algo que ela tenta enterrar e fugir. Para os outros a situação é a mesma: Harmonica quer vingança por acontecimentos do passado, Frank é assombrado por esse passado esquecido, já Cheyenne quer que sua reputação de implacável seja sempre lembrada.
No entanto, por mais que as memórias importem, é no progresso que está apoiada a narrativa. A linha férrea citada acima é de extrema importância para configurar a América seguindo em seu processo de construção, deixando o velho oeste com seus mitos para os livros de história. Os momentos mais importantes do filme se passaram com os trabalhadores ao fundo, martelando o metal na terra do deserto. Chegando à estação, a Maria fumaça serve para trazer e apresentar personagens, e os malfeitores mortos são esquecidos no meio da poeira levantada pelos trens. Morte e vida, destruição e construção. Leone usa seu estilo cadenciado para que aquelas imagens fiquem registradas nas cabeças dos espectadores. Servindo como um compasso para as imagens, há a trilha de Ennio Morricone. A tensão e o suspense são muito bem representados pelas musicas que vão do sutil ao estridente, às vezes em uma mesma cena. É impossível não reconhecer o trabalho do maestro, inclusive para os espectadores menos apegados aos detalhes.
Quando há a necessidade de reconstrução, é na figura da solteira Jill que vemos a representante. Por outro lado, é constrangedor notar em algumas linhas do roteiro mensagens extremamente machistas, como quando Cheyenne diz a Jill que ela precisa servir alguns trabalhadores e fazer pouco caso se algum deles passar a mão em seu corpo. É como se ele dissesse: “veja, você está aqui para servir os homens que são importantes para o país, por isso, é aceitável que eles façam com você o que eles quiserem.” Evidentemente, se trata de uma produção da década de 70, o que a faz ficar bem longe das demandas femininas da atualidade. Com certeza, algumas mulheres irão se ofender, porém, é um fator que se pode relevar para que a obra seja apreciada.
“Era uma vez no Oeste” é imortal porque uniu um grande tema com a roupagem original de Sergio Leone. Seu elenco é afiado e os fatores técnicos são soberbos. Um grande clássico como esse faz escola e gera imitadores (ou aqueles que querem homenagear), por isso, a nova geração talvez não se impressione, pois terá a impressão de já ter visto vários de seus elementos em filmes recentes (como em quase todos os de Tarantino), o que tira um pouco do impacto na revisita, mas não afeta a grandeza dessa obra prima.
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