“Maria Antonieta” já tem mais de 10 anos – estreou em 2006. Foi o segundo encontro artístico de Sofia Coppola e Kirsten Dunst. No filme de estreia da diretora, “Virgens suicidas”, de 1999, já se estabelece a força dessa união. Para os admiradores da dupla, vale conferir a revista Variety, deste mês, pela excelente entrevista em ocasião do lançamento, em Cannes, do terceiro filme das duas, “O estranho que nós amamos”, cuja estreia brasileira está prevista para o dia 24 de agosto.
Há 11 anos, na mesma Cannes, o filme de Sofia Coppola foi recebido com muitas críticas negativas. A inegável riqueza da direção de arte parecia valorizar uma personagem descrita nos livros de história como símbolo da ostentação da classe dominante. Na época, Coppola afirmou: “Você é considerado superficial e bobo se tem interesse por moda, mas eu acho que você pode ser substancial e ainda ter interesse por frivolidade.” Filmado em Versailles, com cobertura da Vogue, “Maria Antonieta” não poupou esforços para nos dar beleza aos olhos.
A diretora, filha de um dos mais importantes cineastas de Hollywood, Francis Ford Coppola, carrega o estigma de privilegiada. Não há como negar seu status social. Talvez, só assim seja possível ultrapassar a seda que reveste uma personagem tão lembrada por seu interesse em luxo e em celebrações quanto é Maria Antonieta.
O filme conta a história de uma garota austríaca que, aos 14 anos, casa-se com o futuro rei da França. A escolha da trilha sonora indica total desinteresse em recompor realisticamente os fatos históricos: barroco e punk se misturam com os delicados sapatos de cetim e o icônico All Star. No artigo “Marie Antoinette de Sofia Coppola”, a escritora Ana Teresa Jardim ressalta a ode à juventude. A diretora assina cada enquadramento com rebeldia e impetuosidade próprias a essa fase corajosa e inconsequente que precede a vida adulta. Os excessos de bebida e comida, as noites mal dormidas em troca do hedonismo das festas… nada disso é sentido pelo corpo teen.
Protegida pela coroa, a protagonista amadurece em ritmo mais lento do que os outros mortais. Mas, a realidade chega para todos. Grande parte da população francesa sofre a miséria e um imenso sentimento de revolta é transformado no movimento nomeado como Revolução Francesa (1789-1799). Com violência, destituiu-se o poder da monarquia. Os abusos aristocráticos não podiam ser tolerados pelo Iluminismo – corrente teórica e política que trocou o sangue azul por outra entidade: a Razão. Uma razão eurocêntrica que corta cabeças, se assim achar… razoável.
Sofia Coppola registra linda e metaforicamente a decapitação da rainha. Ao nos aproximar da personagem, a diretora nos faz pensar no caráter intrínseco da onipotência. Em qualquer regime político, seja entre amigos ou entre Estados, a distribuição de forças é garantia necessária ao equilíbrio. O povo não aceitar seus governantes é sinal de necessária mudança. Quando o jornal suíço, “Tagesanzeiger”, comparou a atual primeira dama brasileira, Marcela Temer, à Maria Antonieta, não era um elogio por seu gosto estético. Os gastos excessivos refletem a ignorância sobre o contexto em que vive grande parte dos brasileiros. “Se não tem pão, que comam brioches” pode ter sido uma frase escrita por Rosseau quando Maria Antonieta ainda era uma criança. Mas, foi atribuída a ela enquanto figura entretida em seu próprio, e pequeno, universo.
A importância política do filme de Coppola se dá através da humanização de uma classe dominante. Como diria Sócrates, o mal é a ignorância do bem. Se, em vez de fetichizarmos a corrupção, conseguirmos educar como Paulo Freire propôs, deixaremos de seguir o modelo faraônico e excludente que já não mais nos cabe. Não há espaço para Maria Antonieta enquanto houver fome.
Por Carmen Filgueiras
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