A animação pré-escolar “Dora, a Aventureira” é uma rica fonte de chacotas para qualquer um que esteja acima da faixa etária de seu público-alvo. O caráter interativo e o clima inocente do programa rendem momentos minimamente curiosos, como as constantes quebras da quarta parede; a “cegueira” da protagonista quanto a objetos, em tese, facilmente visíveis por ela; a facilidade com a qual Dora espanta o inimigo Raposo; a exaustiva repetição das regras das brincadeiras interativas etc. Portanto, a adaptação de um desenho animado como esse para o cinema (ainda mais como um filme live action) representa uma dificuldade: afinal, como atingir um público mais amplo – que, geralmente, vê “Dora, a Aventureira” como uma grande piada –, mas sem alienar as crianças pequenas que o assistem diariamente na televisão?
A resposta encontrada pelo diretor James Bobin e pelo co-roteirista Nicholas Stoller é: faça um longa decididamente infantil, mas que tenha total consciência de seus aspectos ridículos e use isso a seu favor. De certa maneira, é uma estratégia semelhante àquela utilizada pelos mesmos realizadores ao rebootar a franquia “Muppets” há alguns anos atrás, porém os resultados de “Dora e a Cidade Perdida” são mais irregulares.
Um dos maiores motivos disso é o público-alvo mais restrito. Apesar das personagens de Jim Henson possuírem um forte apelo infantil, é inegável que, no geral, os “Muppets” são muito mais um produto “para toda a família” do que algo especificamente voltado para crianças. “Dora, a Aventureira”, por sua vez, é um desenho feito para pequenos em idade pré-escolar, sem a menor preocupação em atrair jovens e adultos. Dessa forma, o equilíbrio a ser alcançado em “Dora e a Cidade Perdida” é muito mais traiçoeiro, uma vez que dificulta bastante a expansão do público sem, ao mesmo tempo, excluir aqueles que mais terão interesse em assistir-lhe. Logo, excetuando uma referência a alucinógenos aqui e uma sátira às políticas de prevenção a massacres escolares acolá, “Dora e a Cidade Perdida” é um longa com humor bastante bobo e de pouco apelo a espectadores mais velhos.
Entretanto, os realizadores encontram algumas maneiras de, volta e meia, contornar essa questão. Seguindo uma tendência recente, “Dora…” aposta bastante na nostalgia, mesmo que não de forma tão explícita quanto outras obras. Tirando uma sequência totalmente animada, na qual é óbvia a tentativa de reavivar a memória afetiva dos espectadores, no todo, o conteúdo nostálgico do longa se dá em pequenos detalhes: a versão CGI do Raposo remete ao Coiote dos “Looney Tunes”; os desafios encontrados pelas personagens parecem versões ficcionais de provas do game show dos anos 1990, “Lendas do Templo Perdido”, entre outros exemplos.
Além disso, ao periodicamente fazer piada com as marcas registradas do desenho, Stoller e seu parceiro de roteiro Matthew Robinson conseguem construir a persona outsider extremamente otimista e de comportamento esquisito da Dora cinematográfica (Isabela Moner), ao mesmo tempo em que reconhecem o quão estúpida é a ideia de tentar transpor fielmente o desenho para a tela grande. Nem sempre essa estratégia funciona (as quebras da quarta parede, em particular, soam forçadas demais até como motivo cômico), mas, no geral, ela é bem-vinda (a recorrente piada com a infinidade de coisas que Dora traz em sua mochila sempre diverte).
No final das contas, tem-se a impressão de que “Dora e a Cidade Perdida” é provavelmente a melhor versão possível de uma adaptação cinematográfica do desenho. Ademais, mesmo que acabe se estendendo além do necessário e não seja necessariamente empolgante, o filme de James Bobin tem um certo charme graças à sua mitologia pseudo-arqueológica e configura um bom exemplo de representatividade no cinema mainstream, uma vez que, apesar de ser intencionalmente cartunesco, apresenta uma visão múltipla da comunidade latina. Mesmo assim, seja levando a sério ou como piada, o desenho ainda é mais divertido.
Imagens e vídeo: Divulgação/Paramount Pictures
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