Um novo recomeço
Antes mesmo que Christopher Nolan começasse sua bem sucedida trilogia cinematográfica sobre um dos super-heróis mais aclamados dos quadrinhos, inúmeras eram as especulações sobre um possível encontro desse (Batman) e o Superman nas telonas – bem como a introdução de vários outros personagens de duas das maiores empresas do ramo no cinema. Contudo, devido a diversos contratempos e uma variada lista de cancelamentos, roteiros foram engavetados enquanto Nolan já fazia história com suas produções. “Cavaleiro das Trevas” foi sucesso de público e crítica e tornou-se muito mais do que uma simples produto do gênero, atingiu status de clássico – principalmente se considerarmos sua excelente segunda parte que trazia Heath Ledger em uma imersiva construção para o inesquecível Coringa. Trabalho qual que lhe rendeu um Oscar póstumo de melhor ator coadjuvante e, sem dúvida alguma, o fez entrar para galeria dos maiores vilões da sétima arte.
Depois de várias adaptações de histórias sobre heróis, o impacto causado pelo retorno do homem morcego foi tão grande que os estúdios começaram a olhar por outros ângulos, enxergando ainda mais lucro em um possível universo extendido. E como a concorrente Marvel já tinha saído na frente com uma diferenciada proposta, a DC Comics (juntamente com a Warner Bros.) decidiu não perder tempo e tratou logo de investir na transposição de sua própria e ampla coleção de contos e personagens fantásticos. Todavia, por mais que já tinham pisado muitas vezes nesse território – e trouxessem consigo uma incomensurável legião de fãs – o momento era outro e exigia uma vertente completamente desigual àquela que vinha sendo apresentada até então.
Enquanto a Marvel acertava o chão com uma fórmula simples, capaz de atingir todos os públicos, a DC apostava em uma linguagem distinta, mais aprofundada e, por vezes, com uma atmosfera soturna demais. Mesmo que o primeiro tiro tenha sido próximo a região do alvo, com o razoável “O Homem de aço”, os conseguintes foram um tanto quanto desastrosos*. Os tão aguardados “Batman vs Superman” e “Esquadrão Suicida” não agradaram como era esperado e receberam um vendaval de críticas negativas. As propostas apresentadas por Zack Snyder e sua equipe eram até empolgantes em um primeiro momento, sendo idealizadas a partir de um aprofundamento mais psicológico e não apenas uma aventura de heróis, mas as ideias foram sendo extrapoladas e a tentativa de algo visionário escorregou em exageros e narrativas mal estruturadas. Contudo, como o cinema também é feito de altos, baixos e muitos aprendizados, esses serviram para uma mudança geral na casa – o que acabou proporcionando em seguida o ótimo “Mulher-Maravilha”.
E agora, para encerrar de vez a discussão de que a DC tinha perdido o tato de como se fazer cinema, eis que acaba de aportar um dos mais esperados filmes dos últimos anos, a famigerada “Liga da Justiça”. Mesmo trazendo uma trama simples – mais introdutória – o filme acerta o ritmo e abre um novo caminho para os filmes da marca. Tudo começa após a morte de Superman. Tentando se redimir, Bruce Wayne (Batman) continua sua peregrinação em prol da união de equipe de meta-humanos capaz de ajudá-lo salvar o mundo de uma ameaça iminente. Ao lado de Diana Prince (Mulher Maravilha), ele se unirá a Arthur Cury (Aquaman), Barry Allen (Flash) e Victor Stone (Cyborg) para impedir que o Lobo da Estepe encontre as caixas maternas e destrua todo planeta.
A produção, em um todo, adentra com o pé direito e cria um excelente precedente para o que está por vir no Universo Extendido DC. Envolvendo Ben Affleck (“A Lei da Noite”), Christopher Nolan (“Dunkirk”), Deborah Snyder (“Mulher Maravilha”) e vários outros nomes, temos aqui um produto mais aberto a interpretações e capaz de mirar em públicos dissemelhantes, mesmo que esse não tenha lido as HQ’s (algo feito muito bem pelo recente “Thor Ragnarok”). Não obstante, o grande erro aqui foi apostar muitas fichas no duvidoso CGI, principalmente o utilizado para desenvolver o vilão. Além de falso, temos a impressão que estamos vendo um boneco de cera o tempo todo em que aparece.
O roteiro de Chris Terrio (“Argo”) e Joss Whedon (“Vingadores: Era de Ultron”) também peca nesse ponto. A construção das personagens foi claramente focada nos heróis e o Lobo da Estepe como outros não ganharam a devida atenção. Mesmo tratando- de um filme de super-heróis, o que são esses sem seus conflitos e antagonistas?! O script levanta algumas poucas tensões entre a liga, mas se perde quando essa precisa ser melhor elaborada, o que gera uma sensação de vazio em determinados diálogos. Contudo, os roteiristas mais acertam do que erram ao elaborar uma história muito bem estruturada, com uma identidade acertada para os integrantes da liga no cinema. É funcional, homogêneo, e a inserção de trechos cômicos (esses sem exageros, diferente do que muitos dizem por aí) proporcionam uma vida a mais para história. Com isso, acabam oferecendo também uma identificação mais plausível do público com os paladinos da justiça.
Josh Wheldon foi o escolhido para finalizar o filme, mas a obra cinematográfica pertence mesmo a Zack Snyder (“Batman vs Superman”). E ele assina a direção deixando de lado o seu arriscado estilo para adotar uma execução mais empolgante, com enquadramentos e angulações melhor elaborados. O bom uso de movimentos de câmeras e slow motion encaixados corretamente ajudam na aproximação para com o público impondo mais do que o próprio 3D em diversas situações.
O elenco, repleto de grandes nomes do cinema atual, acaba sendo mal aproveitado em certos momentos mas funciona muito bem em sua maioria. A começar pelos coadjuvantes Amy Adams (Lois Lane), Jeremy Irons (Alfred), Diane Lane (Martha Kent) e J.K Simmons (Gordon), muito bem em cena e colocados no tempo certo do filme – uma vez que haviam sido apresentados em outros projetos. O Cyborg, embora seja um bom e importante personagem, não foi bem construído por Ray Fisher. Ao invés disso o ator optou pelo bom e básico robozinho. Jason Mamoa é outro que se não fosse sua presença e simpatia estaria um pouco perdido na pele de Aquaman. Já Ezra Miller, esse sim nos convence rapidamente com sua entrega tanto corporal quanto expressiva. O ator traz gestos psicológicos fundamentais que definem a identidade do Flash nas telonas. Ben Affleck, Henry Cavill e Gal Gadot já estão tão a vontade em seus papéis que é difícil enxergarmos outros atores para substituí-los. Em compensação o Lobo da Estepe de Ciarán Hinds (voz) já nasce querendo ser esquecido.
A fotografia de Fabian Wagner (“Game Of Thrones”) dá um gigantesco salto para o crescimento da obra. Construído a partir de uma paleta de cores mais quentes, contraposta a alguns tons frios, o trabalho proporciona um visual mais rico para a trama e desenvolve melhor a atmosfera dos lugares – bem como a memória emotiva do espectador. Wagner ainda soube brincar com o backlight, que fornece certos mistérios e curiosidade à narrativa e nos leva a associar algumas cenas a produções mais antigas do gênero. Em paralelo, o departamento de arte também valoriza bastante o filme. Com destaque para a definição e os detalhes usados para distinguir cada cenário. Já o figurino de Michael Eilkinson, embora tenha causado em alguns fãs certo desconforto quanto a diminuição do tamanho da vestimenta das amazonas, é muito bem desenvolvido e mantém o mesmo estilo de “BvS”.
Com uma vívida e inquietante trilha sonora, composta por Danny Elfman (“A garota do trem” e “Cinquenta tons mais escuros”), o filme se torna ainda mais interessante e consegue nos surpreender ao revisitar os temas clássicos de Batman e Superman em cenas de deixar qualquer fã emocionado.
“Liga da Justiça” pode não trazer a competência de produções como “Batman – o cavaleiro das trevas” e “Logan” ou ainda não superar o sucesso de “Mulher-Maravilha”, mas podemos considerá-lo um bom recomeço para um futuro ainda melhor envolvendo a vasta proposta da DC Comics nos cinemas. Então, vá ao cinema e divirta-se. E não saia de lá antes do último crédito.
* Deixo claro que mesmo muita gente não gostando de “Batman vs Superman”, eu acho o filme interessante e funcional para o caminho que viria a ser construído. Agora, “Esquadrão Suicida” foi um erro descomunal com personagens que mereciam muito mais do aquilo que foi entregue.
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