Para se fazer um bom filme, é preciso que haja um bom roteiro, isso é óbvio. Ter apenas uma boa ideia não basta. No entanto, a falta de bons roteiros é, para usar uma expressão do momento, pandêmica atualmente, mesmo que ideias “geniais” apareçam todo o tempo. Esse problema é mundial, e apenas alguns cineastas conseguem fugir dele através de seus talentos acima da média. O restante bate cabeça e tenta ao acaso ver seus filmes com boas ideias fazerem sucesso, independentemente da sua incapacidade como realizadores audiovisuais. Bem, então é preciso avisar para esses que o acaso não ajudará quando suas obras possuem um bando de referências porcas, cenas de ação patéticas e diálogos rasos, como na nova produção dirigida por Olivier Megaton, “The Last Days of American Crime”, lançada na Netflix.
A história do longa é sobre o ladrão de bancos Graham Bricke (Édgar Ramírez) que acaba envolvido em um bilionário roubo à Casa da Moeda dos EUA com o casal formado por Shelby Dupree (Anna Brewster) e Kevin Cash (Michael Pitt). Até aí nada de mais, já que são inúmeros os filmes sobre assaltos produzidos durante o ano. Contudo, o que torna a trama de “The Last Days of American Crime” diferente das outras é que o roubo planejado por Brick será o último antes que o governo comece a usar uma espécie de sinal que afeta o cérebro daqueles que tentem cometer algum crime. Então, o plano é roubar mais de 1 bilhão de dólares e depois fugir para o Canadá.
De fato, se trata de uma boa ideia, mas ela não veio do roteirista do filme Karl Gajdusek, e sim do quadrinista Rick Remender, que teve sua obra homônima adaptada. O que Gajdusek fez, provavelmente, foi destruir, com seu texto confuso, afetado e vazio, o que de melhor há nos quadrinhos. Para completar, a direção quase amadora de Megaton acaba colocando uma pá de cal nas pretensões da Netflix em ter mais um sucesso de qualidade em seu catálogo. Exemplificando sem muitas delongas: basta dizer que não há um único diálogo durante as mais de duas horas de exibição que não seja expositivo ou patético.
Os personagens, em meio a isso, são pobremente construídos, como é o caso do policial William Sawyer, interpretado pelo bom Sharlto Copley. Suas motivações não são demonstradas; a única coisa que o espectador fica sabendo é que ele tem prazer em ser policial. Seu caminho se cruza com os dos protagonistas apenas para ser mais um mísero obstáculo a ser superado. Um desperdício de ator.
Nem mesmo o protagonista gera qualquer conexão com o espectador, e olha que Ramírez goza de carisma e de talento para a atuação. Seu personagem é tão mal construído pelo roteiro que não dá para esperar que ele gere cumplicidade. É apenas um bandido e assassino sanguinário. O romance dele com Dupree piora a situação por não ter emoção ou química. Contudo, o pior deles é Cash, que foi escrito para ser um poço de referências, começando por Travis Bickle de “Taxi Driver” (sim! Há a cena do espelho) até Tony Montana de “Scarface” (mais uma vez: sim! Há a cena com a metralhadora, ele só não fala “say hello to my little friend”, mas aí seria demais). Com isso, a atuação de Pitt é prejudicada porque não pode ir além da gritaria e das frases de efeito; fazendo-o exagerar na dose de loucura em alguns momentos completamente irritantes.
O que poderia salvar essa pretensa peça cinematográfica e transformá-la em entretenimento puro seria a ação – como acontece com alguns blockbusters sucessos de bilheteria – só que ela é completamente prejudicada pelo estilo picotador de videoclipe de Megaton, que não deixa que as sequências sejam devidamente degustadas. Tudo é rápido e urgente. Além disso, ele se esforça tanto para conferir estilo à sua direção que a torna repetitivamente cafona, como em outros filmes de sua autoria. Talvez, sua veia autoral estivesse pulsando ao máximo, só que nela não passa qualquer sangue artístico, infelizmente.
Vídeo e Imagens: Divulgação/Netflix
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