Em cartaz com “The Boys in the Band – Os Garotos da Banda” no Teatro Procópio Ferreira, o ator Heber Gutierrez compartilha com a gente sua abordagem do personagem Emory. Optando por não assistir ao filme para evitar influências externas, ele explora a fronteira tênue entre sua própria identidade e a de seu personagem.
A entrevista revela não apenas a trajetória artística de Heber, mas também sua coragem em explorar novos horizontes, tanto no palco quanto na quebra de fronteiras preestabelecidas de identidade de gênero.
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Arthur Macedo: Eu sei que você já tem vários amigos artistas, como a Vânia Canto que estava em “Funny Girl”, a Ana Araújo que está em “Beetlejuice”, isso há anos. Até então você ainda não tinha se atirado no teatro. Você acha que falou “Não, agora eu vou para o teatro” por influência dos amigos ou foi algo dentro de você que falou “eu preciso ir, vou tentar”?
Heber Gutierrez: Eu conheço eles exatamente porque eu sou do teatro. Conheci a Ana quando eu quis fazer teatro musical, em 2007, e aí fiz muitos amigos naquela época que estavam interessados em teatro musical e que hoje estão e se estabeleceram no teatro musical e eu fui para outro caminho. Eles não exerceram influência, são os meus amigos de muitos anos. Todos os meus amigos são de teatro, cinema, da arte no geral, tem pouco que não são. Tenho muitos amigos na dublagem também.
A.M.: O que te chama a atenção como ator?
H.G.: Teatro (risos). Eu trabalhei um tempo atrás das câmeras no cinema. Em primeiro lugar, vou pegar uma frase da Stella Adler, que fala o seguinte: “Você quer derrubar o ator, você põe ele no palco. Aí você vai ver quem é ator de verdade. Aquele que ficar de pé é que é ator”. Eu espero que o teatro não me derrube. No teatro a gente se prepara para ficar em cena o tempo todo e aquilo tem que acontecer na frente das pessoas. O teatro é um acontecimento. É difícil você “ficar de pé”, como a Stella Adler fala, é um exercício muito bom dessa busca, dessa pesquisa e estar em cena. E repetir aquilo, porque repetir aquilo te dá possibilidades de encontrar novos caminhos dentro daquele personagem e isso me chama muito a atenção.
A.M.: Quais são as suas inspirações como ator? Você falou que gosta de procurar caminhos, quais atores te apresentam esses caminhos?
H.G.: É que são muitos atores, não tem uma pessoa específica em quem eu me inspiro, mas coisas que me marcaram. Por exemplo, tem uma dubladora chamada Marli Bortoletto e ela faz muito teatro. Ela é uma pessoa que me marcou muito e que me trouxe essa inspiração. A forma como ela se entrega para o trabalho, a forma como ela se transforma. A Marli eu trago até hoje, (pois) me marcou muito e continua me marcando. Eu lembro de coisas dela que eu vi, acompanhei, que ela falou para mim. Eu acho que trabalhos me marcam. O “Tom na Fazenda” me marcou bastante, acho que aquilo que eles fazem em cena é tão visceral que é uma coisa que me inspira a tentar ser visceral, ainda que, no meu personagem, eu não vou chegar naquele lugar porque nossa peça não pede o lugar que eles chegam, mas aquele trabalho é muito inspirador. Eu gosto muito de mulheres. Quem que é a sumidade nos Estados Unidos? Meryl Streep, todo mundo vai falar que é ela. Hoje, Viola Davis, que me inspira muito, muito mesmo. E outras mulheres americanas que são maravilhosas, como a Claire Danes, do (seriado) “Homeland”, que é muito boa. No Brasil, gosto muito da Totia Meireles no teatro, a Grace Gianukas, maravilhosa. Elias Andreato é uma aula de teatro, devia até ter vindo com o nome dele quase em primeiro lugar. Ele é, atualmente, vivo, uma das pedras fundamentais do teatro brasileiro. O Elias é maravilhoso! E agora uma coisa: Eu gosto muito de filme indiano. As atrizes são muito famosas lá, mas os atores acho que representam muito mais o cinema indiano do que (os homens) no ocidente, em que a gente tem as mulheres. Atores indianos me inspiram muito, principalmente um ator chamado Aamir Khan, que é maravilhoso. Um segundo ator que eu gosto muito chama-se Sidharth Malhotra, maravilhoso. São atores que se entregam, que se transformam, o Aamir Khan e o Shahrukh Khan são os que se entregam, se transformam. O Aamir Khan tem um filme dele que chama “Ghajini”, que ele se transforma, o estado de energia dele muda em um take, não tem corte, ele vai se transformando, é impressionante. Se um dia eu quiser ser alguém, talvez o Aamir Khan.
A.M.: O que eu gosto é, às vezes, pegar o texto antes de ver a peça ou ver os dois, no caso do “The Boys in the Band” são dois filmes antes, porque eu já sei mais ou menos o que eu tenho que prestar atenção. Eu acho muito legal quando os atores usam a inventividade do personagem, porque o personagem já tem que cumprir aquela função e tem que ter determinadas características. Onde vem a inventividade em cima disso?
H.G.: Eu não assisti o filme para fazer o Emory, eu não quis ser influenciado. Eu acho que as pessoas se lembram muito do Robin (de Jesús) comigo porque ele usa barba e eu também.
A.M.: Onde começa o Heber e termina o Emory e onde começa o Emory e termina o Heber?
H.B.: O personagem não tem como não ser eu porque sou eu que estou fazendo e também não tem como eu não ser o personagem porque sou eu também que estou fazendo. Não é que nós somos a mesma pessoa, mas é que o Emory sou eu e eu estou sendo o Emory. Eu empresto a minha humanidade para o personagem e eu procuro dentro de mim o que da minha humanidade vai dar humanidade para aquele personagem para que aquilo aconteça ali. Tudo do Emory eu encontrei dentro de mim e se eu fizer um psicopata um dia, eu não sou um psicopata, ou será que sou? (risos), mas ele vai ter que partir de algum lugar e desse lugar é da minha humanidade também. Eu vou ter que encontrar coisas que eu vou emprestar para esse personagem e mesmo que seja uma pesquisa, o Emory também tem uma pesquisa. (Ele) tem uma pesquisa muito grande e continuo pesquisando. O ponto de partida, o zero, é sempre de mim. O Emory tem uma partitura corporal que não é a minha partitura corporal, eu pesquisei e continuo pesquisando essa partitura, (assim como) a postura dele, como ele fala.
A.M.: Uma coisa que seria legal saber é que esse é o seu primeiro grande trabalho como ator. Você está trabalhando com um elenco muito variado, de pessoas que já estão há muito tempo no teatro, pessoas que estão começando a despontar agora no teatro. Para você, como que é estar tendo como primeiro grande trabalho esse elenco tão diverso, tão vário?
H.G.: Nossa, maravilhoso, porque (são) muitos (os) aprendizados, para o bem e para o mal. No sentido de que, claro que quem tem mais tempo (no teatro) tem muito a ensinar, mas também tem um lugar de que é muito legal ver que eles também são seres humanos, tem suas fraquezas, suas sombras e muita luz que não aparece para o público. Uma coisa que me falaram, e eu tomo isso como verdade, é que quando a gente está em cena todos nós somos iguais, porque nós estamos no mesmo trabalho. Quando eu estou contracenando, o jogo de forças não é de um ator mais experiente com um menos experiente, mas o de um personagem com outro personagem, então todos nós somos iguais. Isso é importante entender logo no começo do processo porque se não você vai se deixando para trás.
A.M.: Para você que se declara como uma pessoa pós-binária, o que isso significa para você e o que isso significa para o Emory?
H.G.: Que eu não me identifico com essa masculinidade que me convocam. Eu não me sinto no masculino, no sentido dessa coisa da masculinidade. Quando você fala “binário”, você está falando de dois, só que a (Judith) Butler, o (Paul B.) Preciado, a (Alexandra) Kollontai, o Pedro Ambra aqui no Brasil e tantos outros, eles estão mostrando para a gente que o binarismo é um binarismo. Você se declarar não-binário (significa) estar declarando que existe o binarismo. Essas pessoas estão trazendo para a gente que é muito além do binarismo, que existem muitas e muitas nuances e coisas, que ser um homem ou mulher no Brasil, esse espectro (é) infinito. Eu acho que o Emory tem nesse lugar de não ter medo de si, não tem medo de não responder a convocação da masculinidade que pedem dele.
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