O sexo casual é o conto de fadas dessa juventude. Nos novos rituais dos encontros amorosos, conhecer alguém não significa necessariamente sonhar com relacionamento estável, casamento de papel passado e filhos – dois, para que possam fazer companhia um ao outro. Às vezes, só o sexo basta.
Não é a toa que ao pensar com cuidado na premissa de “Ibiza: Tudo Pelo DJ” (2018), uma jovem mulher americana que com o apoio das amigas vai para uma cidade estranha na Europa atrás de um homem que acabou de conhecer, a sensação inicial de ultraje com o enunciado machista é substituída por certo alívio. A protagonista não toma essa decisão porque precisa daquela figura masculina em sua vida, mas porque quer desfrutar de algumas horas de contato íntimo sem compromisso.
Não é só o sexo de uma época, porém, que o segundo longa-metragem dirigido por Alex Richanbach representa. Mais um commodity da linha de produção “Original Netflix”, o que por si só já é muito revelador, a comédia é um objeto histórico da geração dos millennials, um recorte da era do reaggaton, dos pijamas de unicórnio, dos galãs de “Game of Thrones”, das drogas sintéticas, dos aplicativos inúteis nos smartphones. Poderia facilmente ser a escolha de entretenimento dos personagens do brasileiro “Todas as Razões para Esquecer” (2018), que também reflete, só que de forma consciente, sobre esses tempos.
Harper (Gillian Jacobs) é uma garota no final dos seus vinte e poucos anos, insatisfeita com o trabalho em uma multinacional de relações públicas, que recebe da chefe (Michaela Watkins) a missão de fechar contrato de representação com uma marca de sangria em Barcelona, na Espanha. Notícia que anima Leah (Phoebe Robinson) e Nikki (Vanessa Bayer), suas melhores amigas, que veem a oportunidade de transformar sua viagem a negócios em uma girls trip.
É o que elas fazem. Praia, festas, shots de tequila, drogas e flerte com os espanhóis tornam-se parte do itinerário das três, até que em uma rave Harper se vê interessada pelo DJ da ocasião, Leo West (Richard Madden). O interesse é recíproco, eles chegam a trocar telefones, mas acabam se desencontrando. Assim, quando ela descobre que o rapaz irá tocar em Ibiza, há pouco tempo dali, é incentivada pelas parceiras em atender seu desejo e ir atrás dele, mesmo com a sua reunião de trabalho marcado para a noite do dia seguinte.
Esse tipo de história não é bem novidade para o espectador que há algumas décadas está calejado com filmes besteirol, mas ainda assim “Ibiza” traz moderado frescor à cartilha. O roteiro de Lauryn Kahn, mesmo recheado de absurdos e lugares comuns, tem tiradas perspicazes e protagonistas, apesar dos estereótipos, com um surpreendente entrosamento. O bom cinismo aparece desde a sequência de abertura em que uma artista de rua vestida de estátua da liberdade sai da pose para fumar um cigarro ou em um instante em que um jogo de enquadramentos revela que as amigas conversam enquanto comem peças de comida japonesa tiradas direto do corpo de uma mulher.
Também é curioso como o trio principal funciona. Sabemos pouco ou nada sobre a vida dessas figuras – a líder insegura, acompanhada das comadres estranha e devassa -, no entanto a falta de informação não é um obstáculo para o desenvolvimento da amizade entre elas. De alguma forma os realizadores conseguem imprimir ternura e intimidade em situações como Nikki e Leah fumando maconha juntas ou as três bêbadas na madrugada caminhando de mãos dadas pelas ruas de Barcelona.
Entretanto, como é de se esperar de uma comédia da menina dos olhos dos serviços de streaming, para cada sacada astuta, há uma enxurrada de tolice. Como o DJ e uma pessoa há muitos metros de distância na plateia conseguem se comunicar dentro de uma boate lotada é um dos mistérios lançados pela produção. Já para quem não entendeu que ela valoriza o girl power, o diálogo didático de amargar antes do rolar dos créditos assume esse papel professoral. Na direção, Richanbach tenta diversas vezes usar os cortes na imagem, os jump cuts, como recurso cômico e acerta em quase nenhuma delas. A cereja no topo do bolo de obviedades, porém, é a previsível trilha carregada de reaggaton; enganou-se quem achou que ia sair dessa sem ouvir “Despacito”.
No clímax de “Ibiza”, as três garotas reproduzem a clássica cena de ver a cidade através do teto solar de uma limusine, e nesse clima a protagonista solta: “eu sou um grande cliché agora e eu não dou a mínima”. Talvez isso seja, no final das contas, o forte do filme; não é tão pavoroso quanto o título nacional sugere, mas sabe que não é lá grande coisa – e não se importa com isso.
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